Manifesto

Em defesa das comunidade negras, quilombolas, indígenas e periféricas vítimas das enchentes no RS

Desde os últimos dias de abril o estado do Rio Grande do Sul vem sendo assolado por fortes chuvas. As águas rapidamente sobrecarregaram os rios e demais afluentes de todas as regiões do estado e inundaram bairros, aldeias, quilombos, regiões e até cidades inteiras frente a completa falta de medidas de prevenção que pudessem servir de orientação para a população. Estamos ainda a contabilizar os prejuízos e, principalmente, os nossos mortos, mas já podemos afirmar que as populações mais atingidas foram as negras, indígenas e periféricas. As mesmas populações que menos são alcançadas pelas doações que chegam via poder público. 
O Rio Grande do Sul construiu uma autoimagem branca, de origem italiana e alemã. O censo de 2022 confirma que a maior parte da população gaúcha se considera branca, perfazendo um percentual de 78,4% de um total de 10.882.765 pessoas. Mas, há quase 22% de população não branca, sendo 21,2% de negros (pretos e pardos) e 0,3% de indígenas.

O Rio Grande do Sul não é um estado branco, pelo menos não nos moldes em que sua identidade regional foi construída.

Essa afirmação – um tanto quanto óbvia para parte considerável da população gaúcha – somada a constatação de que 461 cidades foram atingidas (de um total de 497) pode transparecer que o alcance do desastre distribuiu-se igualmente entre brancos e negros, o que, em tese, não justificaria um recorte interseccional para aplicação das doações e outras medidas de reconstrução, ou seja, que considere raça, classe e gênero, por exemplo. No entanto, um olhar mais apurado nos demonstra o contrário.
De acordo com os dados do Observatório das Metrópoles vinculado à Universidade Federal do Rio Grande do Sul os bairros mais pobres foram atingidos de forma mais intensa, estando alguns bairros ainda embaixo d’água, como ocorre com o Sarandi, na zona norte de Porto Alegre. Já na região metropolitana, a cidade de Canoas ainda vê parte do território inundado, com destaque para o Mathias Velho, que também concentra população de baixa renda. Mais ao sul do estado, em Pelotas, uma cena escancarou as injustiças que acometem as pessoas de forma diferente. Um condomínio de luxo decidiu por acionar uma bomba de drenagem e depositar a água drenada no bairro vizinho, Navegantes, mais especificamente na região historicamente conhecida como Passo dos Negros, que concentra uma população de baixa renda e negra. 
Somado a cada uma dessas atrocidades vimos as denúncias do assédio à mulheres em abrigos e é sabido que as 170 comunidades quilombolas do estado foram atingidas, de acordo com os dados divulgados pela Coordenação Nacional da Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas e 110 da 214 aldeias indígenas do estado também foram diretamente atingidas. 
No entanto, dos 344 repasses à entidades e organizações listadas como beneficiárias da Vakinha no último 18/05, de um total de 27.501.097,82 de reais arrecadados, não chega a 5 o número de associações explicitamente vinculadas aos grupos atingidos de forma mais intensa
Ora, basta observar as imagens dos abrigos constantemente televisionados para vermos quem está em maior número nas situação mais precárias e consequentemente representando o RS nesse momento de dor. Não à toa até mesmo o Presidente da República relatou seu espanto com o tanto de gente negra que aparecem como “os gaúchos” na TV. Por isso, também nos colocamos contra os moldes  iniciais de construção de cidade provisória em Porto Alegre, que mais se aproxima de um gueto ou mesmo de um campo de refugiados. É passada a hora de uma discussão séria sobre direito à cidade, e isso inevitavelmente inclui discussão sobre prédios púbicos e privados subutilizados ou desabitados.

Não é de hoje que ativistas e estudiosos tem afirmado a presença negra no sul e denunciado os males do racismo e seus marcadores sociais, nessa catástrofe não é diferente.

Seguiremos atuando para que as doações e políticas públicas sejam capazes de alcançar esses grupos. Também por isso não toleramos que  manifestações como a do governador Eduardo Leite de que “o poder público não tem a estrutura suficiente para atender em todas as pontas” sigam como mais uma dose de normalidade em meio ao caos. A colocação veio em resposta ao questionamento da comunidade quilombola da Família Machado (bairro Sarandi-Porto Alegre), acerca da desassistência do poder público. 

Bem sabemos que as “pontas” tendem a ser sempre as mesmas, compostas por grupos sistematicamente excluídos da sociedade. O racismo ambiental e as demais injustiças, incluindo as climáticas, não podem seguir seu curso livremente. Além de demandar do poder público medidas de prevenção, mitigação e reestruturação, como planos de prevenção aos desastres climáticos e reabilitação das cidades, seguiremos agindo em prol das nossas comunidades, mais uma vez por conta da demanda imposta pela exclusão, somos nós por nós.

Texto de Fernanda Oliveira.

Fundadoras: Fernanda Oliveira, Giane Vargas e Nina Fola.

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Quem já apoiamos

Nosso coletivo é composto por mais de 180 mulheres negras de várias cidades, em especial do Rio Grande do Sul. Esta campanha visa apoiar principalmente as mulheres de nossa comunidade e suas famílias, além de outros grupos e organizações negras afetados pelas enchentes. 

Conheça alguns deles:

Pequena Casa da Criança
Espaço Marlon e Marcelinho
Coletivo Preta Velha
Quilombo dos Machado
Quilombo do Areal
Coletivo Alicerce