CADASTRE-SE

Curso atinuké: sobre o pensamento de mulheres negras – Afetividade, subjetividade e o amar.

Thais Gomes

Primeiramente gostaria de expressar a minha gratidão ao ser escolhida para o curso, tinha tentado a inscrição em outra vez e graças à ancestralidade fui aceita e recebida de braços abertos pelas minhas irmãs. Reconheço que no inicio achei que era um grupo apenas acadêmico, mais com a realidade dos encontros e as experiências dentro do coletivo, me surpreendi como nós mulheres pretas acadêmicas ou não temos tantas vivências em comum.

Certa vez li que romper com os silêncios era o primeiro passo para a cura, para escrever esse texto confesso que tive dificuldade principalmente em decidir qual assunto abordar já que durante os encontros, os temas discutidos me tocaram de tal maneira que eu mal conseguia escrever a fim de algum registro, mesmo assim, acredito que através dela (escrita) podemos falar por nós mesma e sem o receio do silenciamento que desde sempre fomos submetidas.

A entrada no grupo coincidiu perfeitamente com o momento de mudanças e descobertas internas que estou passando, juntamente com uma (des)construção de valores, crenças e ideias e percepções. Também, juntamente com a Terapia, me trouxeram novos olhares sobre minha vida parando para analisar a minha realidade e como ela não está desligada de um todo. Esse todo, que nos constitui como pessoas pretas em construção de uma outra subjetividade, não aquela que o Ocidente criou de nós.

Falar sobre nossas vivências muitas vezes pode ser dolorido, já que pela realidade de opressões diárias que precisamos lidar não é nada fácil viver cotidianamente sendo uma pessoa preta, os encontros nos sábados foram como uma espécie de fôlego para min, o fôlego para enfrentar o dia adia em espaços embranquecidos que cada vez mais tem nos adoecido enquanto povo, por isso através das Atinukés senti dor e alívio ao mesmo tempo, pois me vi em cada situação e relato das irmãs presentes naquele espaço sagrado.

Essas minhas percepções que diversas vezes se manifestava através do choro, alguns momentos me causava uma certa vergonha, porém sempre foi escurecido que esse espaço era um lugar seguro e místico, então para mni chorar era terapêutico e uma manifestação espiritual. Nós fomos ensinadas a sempre reprimir nossas emoções, porque dessa forma demonstraríamos fraqueza, contudo, aprendi que não precisamos ser fortes o tempo todo, as mulheres pretas desde sempre foram estereotipadas nesse papel de “mulher forte”, fazendo com que nossas verdadeiras necessidades ficassem em segundo plano.
Fui criada em uma família de mulheres denominadas “fortes”, nesse sentido eu apenas chamo de mulheres que sobrevivem. Minha vó materna, foi empregada doméstica e mal sabia ler, meu avô era analfabeto, porém extremamente inteligente. Atualmente, eu e minha família vivemos de modo confortável graças a eles, que construíram um alicerce físico e familiar para que nós pudéssemos hoje viver tranquilamente, agradeço a ancestralidade por isso.

Minha família é inter-racial, então a questão de raça sempre foi um assunto discutido de uma maneira muito rasa, minha irmã sendo branca, filha de uma mulher preta e tendo uma avó também preta nunca se reconheceu como tal, diversas vezes tivemos atritos referentes a raça, mas compreendo que a construção dela como sujeito é diferente e única, dessa forma, através do curso pude perceber como o racismo determina a construção de subjetividade do indivíduo e como se dará as relações étnicos raciais.

O encontro sobre Afetividades foi um dos mais significativos para min, compreender nossas questões afetivas através do texto da bell hooks foi um momento dolorido, mas muito importante para compreender os atravessamentos que passamos em nossa forma de nos amar e amar outras pessoas pretas.

A nossa construção de afeto determina como vamos nos relacionar conosco e o mundo, para as pessoas pretas a afetividade muitas vezes não é exercida de modo saudável, muitas vezes através da raiva pois é uma emoção que vivenciamos a todo instante dado a realidade que vivenciamos enquanto pessoas pretas em Diáspora. Tendo essa noção da realidade que somos submetidos, devemos canalizar essa energia ancestral na construção de novos tipos de afetos entre nós, compreendendo que na prática não é uma tarefa fácil, mas como afirma a Prof. Katiuscia Ribeiro “compreender que somos muito mais do que fizeram de nós”.

Por fim, agradeço novamente ao coletivo por me possibilitar vivenciar essas trocas com minhas irmãs Atinukés, evidentemente que finalizo o curso não da mesma maneira que entrei. Nós pessoas pretas estamos sempre em processo de desenvolvimento, dessa forma, não entrei a mesma Thais de ontem e não sairei a mesma, continuo num processo de vir-a-ser sempre. Agradeço por cada relato compartilhado, hoje compreendo que não estou sozinha e posso buscar um alicerce para me fortalecer, as Atinukés me trouxeram a reflexão de que não se constrói nada sozinha e que somos parte de um todo muito maior.