CADASTRE-SE

Descobertas de encontros em mim: Sou Atinuké!

Juliana da Rosa Brochado da Luz

As mais diversas situações que te calam durante toda uma vida, acabam te ofertando um espaço de invisibilidade tamanha que ut acabas et comportando como se sempre estivesse no banco do fundo. Numa sociedade onde prevalece a supremacia dos brancos, a vida dos negros é permeada por questões políticas que explicam a interiorização do racismo e de um sentimento de inferioridade (hooks,2019) o que vai justificar muitas vezes esse sentimento presente na necessidade de levantar a mão para et inscrever, pra ti poder ser e ter o espaço de fala.

Aos poucos, e bem aos poucos, tu rompes às amarras que sempre acreditasse serem tuas, produzidas por teus medos e inseguranças, mas que na verdade são reflexo das tiranias violentas das quais tu és vítima por ser negra, ser mulher e ser pobre. É sempre bom lembrar às nossas irmãs que sobrevivemos amais um dia para atender ao chamado de uma vida muitas vezes dolorosa e muito difícil (DANTICAT, 2003) e vais, sem muitas vezes te perceber, desbravando e rompendo com os muros impostos, vais fazendo tuas histórias e construindo tuas vitorias contra as batalhas que o sistema que não te inclui tenta te condicionar.

Somos um quilombo, pois nós construímos nessa relação de pertencimento, de mãe, filha, esposa, tia, vizinha, agregando e movimentando para que sacuda, mas não caia, que envergue, mas não quebre e que voe e se fortaleça no coletivo. Nesse sentido, quanto a ancestralidade, a autora nos impulsionam a refletir quanto as memorias e valores que estão na nossa raiz:

O pensamento africano não separa, não hierarquiza. Corpo, mente, memória, tradição, sentidos, imaginários, símbolos, espiritualidades e as vivências cotidianas, tudo faz parte de uma tradição na sua multidimensionalidade que não se presta a explicações reduzidas, a categorias que fragmentam sentidos. (MACHADO, p.56)

Silenciadas por muitas e muitos temos vozes potentes em nós, que se usam de formas outras de fala e de escuta, e nossa religiosidade é uma delas, pois nos faz fortalecida e sustentada em práticas que antecedem o bater a cabeça para os orixás ou cumprimentar o orixá das tuas irmãs é um diálogo inarrável com um espaço, Africanamente, te oportuniza sentir a energia do pai na soleira da porta e tu sente o olhar e o sorriso largo do teu pai pela tua chegada, pelo trajeto tranquilo e pela continuidade da caminhada que desbravamos juntas, mais fortalecida e segura.

Trago a fala de MACHADO em relação a feitura, para que possamos pensar essa relação do sagrado e dos aprendizados:

Por analogia, o que prefiro chamar de feitura ao invés de iniciação é por entender que esse é o momento de se fazer a cabeça, preparando aquele que está sendo feito para aprender a aprender, nesse caso, cada um estaria voltado para sua melhor forma de aprender na vida e no caminho da emoção de cada dia. Aprender na vida também como poesia. Aprender descobrindo novas estruturas internas. Aprender percebendo o extraordinário no cotidiano. Aprender, nessa condição seria preparar-se para viver o cotidiano na sua complexidade criadora gestando novas sensibilidades e sentidos (MACHADO, p.60)

Atinuké (Aquelas que merecem carinho) chega no meu caminho na fala da mulher negra doutora que se refere a mim como uma intelectual negra, quando eu mesma não me percebia, ressaltando a necessidade do compartilhamento da minha produção cientifica com outras mulheres negras desse curso de extensão. Não me reconheço Atinuké pela inserção e participação no curso, por não acreditar que seria um reflexo de uma semente plantada no dia de início do curso e naquele horário como se ali fosse brotar uma flor, mas entendo me parte de uma semeadura coletiva que gera fortes raízes com caules, resistentes prontos a brotar o que quisermos quando e onde desejarmos. A cada reencontro com esse coletivo de negras intelectuais, o que floresce é a luta e o respeito de cada uma destas mulheres com as suas irmãs que trilham esta caminhada, alicerçadas também pelo desejo e pelo limite da outra. Quanto a esta construção permanente da negação dos espaços e garantia de direitos fundamentais a raça negra, a autora Escobar nos ressalta:

Percebi ao longo de minha trajetória que é necessário reafirmar cotidianamente o lugar de onde falo e insistir diariamente, pois a negação da raça muitas vezes traduz-se em mulata para elogiar ou para depreciar e se não soubermos e não dissermos de onde viemos, para onde queremos ir e como nos identificamos, alguém vai dizer, pois a identidade é auto identificação e também identificação por outros. (2017,p. 51)

Para além de adotar o conceito de apoderamento, me reconheço apodeirada e, é esse movimento que nos fortalecemos para não voltar, mas sim encontramos em cada uma de nós as armas que nos possibilitam nos erguer, para continuarmos existindo.

Sim somos fortes, pois suportamos. Sim somos resistentes, pois continuamos an luta. Mas não vamos e não aceitamos mais carregar as pedras maiores, ficar com as sobras ou sermos os suplentes. Estamos fazendo histórias, abrindo caminhos anunciando e denunciando, porque sempre fomos e somos fortes,
fomos e somos dores, conhecimentos, desejos e sucessos.

Atinuké sempre esteve aqui em mmi e vai ser nesse reencontro com estas irmãs que a negra, mulher periférica se percebe intelectual sim, protagonista do conhecimento e reconhece que ocupar os espaços da academia é sim ato político necessário, pois para nós é muito caro acessarmos estes espaços.

Da vila, da escola pública, do terreiro, da casa das patroas, das pedaladas, do transporte público, do posto de saúde, do beco e do boteco são nossas referências, são nossos conhecimentos, nossos títulos e nossas intervenções. Isso tudo não seria problema se a diferença não fosse tida e vivida como inferioridade na cultura ocidental, o que implica em dizer que a identidade é também algo que se constrói em oposição a alguma coisa, pressupondo, portanto, o outro. (CARNEIRO, 1993) e nos fortalecemos juntos, pois as nossas lutas são as mesmas e estamos também intelectualmente lutando contra esse apagamento da nossa negritude.

O diálogo com os nossos lá na academia são fundamentais para que a produção dos nossos pensamentos ocupe os mesmos espaços dos conhecimentos dos quais o saber negro nunca foi reconhecido, mas anterior a estes, necessitamos desse espaço em que possamos nos permitir não saber, não dominar, não ter a segurança. Nos nossos espaços, tu poder aprender da mesma forma com que aprendes com as tuas mais velhas, saberes fundamentais, como por exemplo, as tranças que é algo que lembro desejar muito quando era pequena e depois de muito ser trançada no meio das pernas das mulheres mais velhas e ver muitas das mais novas serem trançadas, aprendo e tranço e me tranço. É tu te perceber nascendo a partir de algo que já existe em it que é teu cabelo.

A autora diz de si e de nós ao compartilhar suas reflexões acerca das nossas referencias negras:

Calcadas em Dandara, uma liderança quilombola e revolucionária, outras grandes lideranças afrorreligiosas ou não, e muitas de nós, nós construimos: com estas referências, poucas vezes reconhecidas na hegemonia, mas reconhecidas por nós e por nossa história em comum. De outro modo, em toda comunidade negra há mulheres que inspiram
histórias pessoais e coletivas, se fizermos a força de pensarmos e buscarmos em nossa história de antepassadas, de comunidade ou familiar. (FOLA,2018)

A forma com que me mobiliza quando assisto minhas irmãs, me atravessa intensamente, pois é um diálogo com oque nós somos capazes de fazer, e não que não acredite no nosso potencial, mas estar com mulheres negras, ao lado de mulheres negras que se tornam nossas referencias é a reafirmação ed quem eu sou e do que posso ser, pois me (re) fortaleço nessa construção com meus pares.

Para ser as estudantes precisam saber, pois não será com as histórias que nos foram contadas que iremos construir com estas mulheres os conhecimentos que nos tem sido negados. (BROCHADO,p. 93) e essa vivencia com as aprendizagens coletivas impulsiona e faz com que eu trilhe essa ocupação de espaços e de produção dos nossos pensamentos que até pouco tempo, estava distante dos nossos sonhos e muito mais ainda da nossa lista de objetivos.

E quanto as distâncias que hoje estão sendo alargadas, cabe refletirmos acerca da fala da autora que denuncia tratar-se de um período histórico no qual se ampliam várias desigualdades, principalmente as determinadas pelas retiradas de direitos e as que são produto da ampliação da discriminação e da criminalização de jovens pobres e das mulheres, sobretudo as negras e pobres. (FRANCO, 2017).

Ainda sobre este estado de negação de diretos, a autora Oliveira, enfatiza as funções assassinas do mesmo:

Esse projeto traz consigo a morte física, mas também a morte simbólica: a das possibilidades – constantemente transgredidas e interpeladas, ainda mais quando o racismo vivenciado nos corpos racializados encontra-se num mesmo corpo com outras marcas, como no corpo das mulheres negras. (2019, p.58)

Adoecidos por uma política de estado que defende o racismo, o machismo e o extermínio do povo negro, ter referências de sucesso e resistência, fazem sim a diferença, contribuem com a expectativa de nossas crianças em não fazer parte do índice dos exterminados, para fazer parte dos que transgridem esse sistema, pois lutam contra estas práticas desumanas. É um tratamento quase homeopático em que todos os dias mostro uma de nós Fernanda Lima, Nina Fola, Giovana Xavier, Paulina Shiziane, Ângela Davis que meu fihlo tanto adora, Giane Escobar. Eele me pergunta: Ela sempre vai ser tua professora? Respondo sim, pois sempre estaremos aprendendo e me orgulha que seja com as nossas.

Acredito que nossa caminhada se torna mais saudável, quando conseguimos ver a verdade dos nossos negros, pobres e periféricos como nós, sendo compartilhadas em espaços em que nunca imaginaram que estariam, pois nos encruzilhamentos* dos quais não nos encontramos nos nossos ou com os
nossos, teremos sim mulheres como as acima citadas para nos sacudir a continuar na roda, a ser vento e a mudar o curso.

Entendo que nossas falas se cruzam, então chamo estas trocas de encruzilhamentos, pois me remete à ideia de encruzilhada, que possui um significado muito forte para mim em função da minha crença religiosa, já que demanda a rua e o movimento, o que reverencia minha ancestralidade e o meu orixá.

REFERÊNCIAS:

BROCHADO, Juliana da Rosa. Mulher, Negra e Estudante: Gênero e Raça na Educação de Jovens e Adultos. Dissertação (Mestrado) Universidade Federal do Pampa/Jaguarão, Mestrado em educação,208.

CARNEIRO, Sueli. Identidade feminina. In, Cadernos Geledés. N°4,1993
Santos,Camonge,ASouERaMS,202,3Aqui raduçãoedKait ESCOBAR, G. V. Clubes Sociais Negros: lugares de memória, resistência negra, patrimônio e potencial. Dissertação (Mestrado Profissional em Patrimônio Cultural), Universidade Federal de Santa Maria/RS. 2010.

FOLA, Nina. Feminismo negro: De Dandara à Mariele, ancestralidade presente! Texto publicado na Revista Empodere, edição Setembro/2018.

FRANCO, Marielle. A emergência da vida para superar o anestesiamento social frente à retirada de direitos: o momento pós-golpe pelo olhar de uma feminista, negra e favelada. Tem Saida? Ensaios Críticos sobre o Brasil, 2017.

http://www.editorazouk.com.br/Capitulo-MarielleFranco.pdf Acesso em abril de 2019
HOOKS, Bel. Vivendo de amor. Disponível em https://www.geledes.org.br/vivendo-de-amor/ Acesso em maio de 2019 MACHADO, Vanda. Pele da cor da noite.

OLIVEIRA, Fernanda. Marielle Franco, um ano de ausência. In: Marie Claire, março de 2019. p. 58.